01/02/2008

Gaveta

Quando quis ir para a escola, disseram-lhe que as mulheres não tinham nada que aprender a não ser a trabalhar no campo. Mas que grande tristeza que era roubar os jornais dos patrões para perceber aquelas letras todas. Esses senhores que a amaram, foram um de cada vez, fizeram-na conhecer a saudade como ninguém, e depois o fado negro da saudade só me trás imagens dela, sentada no mesmo sítio de sempre, a olhar para o grande relógio de madeira à corda, à espera que a vida a adormecesse. O relógio já tinha parado há algum tempo, mas ela continuava a olhar para lá. Cansou-se de esperar a coitada. Que injustiça aquela de ficar sentada, dependente, durante anos a fio, esquecida pela morte que conhecia tão bem. Quem foi aquele que disse que a sua idade tão avançada era uma bela idade? Que beleza há num relógio parado? O senhor ouviu acaso alguém a gemer durante uma noite inteira? Gemia muito, gemia de dores no corpo todo, naquele coração que batia mais compassadamente que o meu... Batia

2 comentários:

Balbino disse...

Este é dos textos mais bonitos que já li. Sem dúvida.

Balbino disse...

Foi preciso ler várias vezes para perceber... Desculpa, mas é lindo.