12/02/2008

Bloco

Ninguém nota, ninguém repara. Ninguém vê ninguém. Ninguém tem olhos atentos e os ouvidos despertos. Ninguém ama.

Ele, individual, único, sozinho, à parte, diferente dos corpos alinhados um a um de milhares de filas de estátuas humanas a respirar, diferente daquela multidão de cegos, de surdos...Ele...procura. Ele está perdido. Ele está calado porém com vómitos de socorros sem fim dentro de si.

Não existem mais forças, nem saídas. Não há vida... O que se entende por vida é O Vazio. Não existe vontade... Nem boa, nem má.

Ele é um ser pensante, errante, move-se para o nada... Espera encontrar a meta.

São estátuas que respiram que se aglomeram com força umas contra as outras. Os corpos estão com medo, e não sobra espaço nem para uma agulha entre eles. São caras sem expressão. Ninguém anda, estão vazios até às entranhas. São tristes porém não sabem que o são, são tristes porque são vazios. Estão aterrorizados, por isso não se afastam... Estão quase colados esses corpos ocos. Ninguém se olha...Falta coragem, mas nem isso eles sabem o que é. Ninguém se toca...só estão juntos por medo, mas ninguém se toca.

Ele cheira mal, cheira a um suor intenso de cansaço sem fim. Um grito...Conseguiu vomitar! Ele não percebe porque é que é o único a vomitar... Nem mais uma excressão senão a sua que é de socorro.

Os corpos juntam-se sem se tocarem nunca... Juntam-se como formigas num carreiro, mas não se movem.

Ele pede para montar a serpente. Ele quer ouvir o "grito da borbuleta". ele desiste de forçar passagem entre os corpos cegos e surdos. Ele vomita uma dôr aguda num grito estridente.

Milhares de pés esmagam-lhe agora os ossos.
"O grito da borbuleta"...ele ouviu "O grito da borbuleta".

Ninguém montará a serpente.

1 comentário:

Balbino disse...

Eles são a multidão... e daqui a uns tempos, vão todos querer ser como ele. Como ele. Como ele. Como ele. Como ele. Porque foi o único a vomitar. Porque só assim é que se pode ouvir o grito da borbuleta. Como ele. Como ele. Como ele.