04/04/2007

Não te odeio.

Já não espero que toques á campainha, nem sequer que tragas pipocas para vermos um filme no meio dos lençóis térmicos, com os estoures a proibir que a luz que despertava os nossos olhos entrasse pela janela. Já não fexo a porta do teu carro com força de mais nem com leveza de menos, já não canto enquanto conduzes porque o rádio ainda estava na loja à tua espera. Já não insisto contigo para imitares os que nasceram com síndroma de down, já não me vez a rir desalmadamente até aquele ponto em que dizias "e parar Raquel?", ou "estás-me a ver a rir dessa maneira por acaso?". Já não vamos comer travesseiros a Sintra, já não me tiras o cisco do olho com soro, já não te pego ao colo, já não me pegas ao colo, já não vamos ao teatro, já não vamos ao cinema, já não vamos ao chinês, já não vamos ao israelita, já não vamos aos sundays de chocolate, já não vamos beber cerveja, já não vamos beber o my sumo, já não me proíbes de fumar, já não te digo para dançares mais devagar, já não te digo para dançares mais depressa, já não me esperas a porta da casa de banho, já não te obrigo a comer mais, já não te pergunto se bebes vinho ao jantar, já não te peço para largares o Ogame, já não te meto neskuik no nariz, já não me metes neskuik na testa, já não te escolho o Polo, já não uso mini saia, já não metes o rolo por baixo da almofada, já não te acendo o esquentador para tomares banho de manhã...
E o mais irónico disto tudo, é que vamos continuar a comer travesseiros de Sintra, a imitar os que nascem com síndroma de down, a beber cerveja, a beber vinho ao jantar, a dançar depressa demais, a dançar devagar demais, eu vou fumar, tu vais conduzir e fechar a porta com força, sim vamos continuar, nem que seja só numa viagem de lembranças.
E apesar de tudo não me arrependo de nada, nem do que fiz de menos nem do que diz demais, porque já está lá atrás, num sítio que nunca mais vamos conseguir alcançar mesmo que estiquemos o braço até ao máximo para concertar o relógio que parou na nossa última chamada telefónica.
Tenho um novo relógio invisível em tempo certo no meu pulso.

Obrigada.

3 comentários:

Marta Queiroz disse...

As memórias não têm q ser necessáriamente más.
Essas são deliciosas não achas?
Vai ser bom contares e relembrares.
Vai-te sempre por um sorriso na cara, nem que seja de saudade.

Beijo

Anónimo disse...

As lembranças que ficam são sempre boas, mas não passam de lembranças ...
São elas que nos ajudam a ficar bem quando estamos mal...
Boas ou más as lembranças servem sempre para alguma coisa não é?
BEZANNNNA da minha vida

Balbino disse...

Tu dás-me calma e paz. Emanas paz e amor. Tu és bela!